Gentileza gera gentileza. O profeta dos viadutos.

Gentileza gera gentileza.


Gentileza gera gentileza

Gentileza, o profeta dos viadutos.

      Resolvi escrever este post para manter viva a memória de uma das figuras mais impressionantes que conheci, o Profeta Gentileza. Conhecido principalmente por nós cariocas era sempre figura certa em baixo dos viadutos entre o Cemitério do Caju e a Rodoviária Novo Rio.
     Sempre carregando um estandarte com mensagens pintadas à mão, o Profeta ficou celebre por suas profecias ou poesias escritas nas colunas do viaduto.
     José Datrino, seu nome de batismo, nasceu em 11 de abril de 1917 na cidade de Cafelândia, São Paulo, e faleceu em 29 de maio de 1996 aos 79 anos, em Mirandópolis, São Paulo, terra de seus familiares.
Nascido em uma família de 11 irmãos, começou a trabalhar muito, desde os onze anos, lidando com a terra, os animais e puxava uma carroça para vender lenha. O campo o ensinou a amansar burros para o transporte de carga. Tempos depois, já como profeta Gentileza, se dizia "amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”.
Desde novo, Datrino se destacava por seu comportamento diferente para um menino de 13 anos. Sempre falava na escola e aos amigos que tinha uma missão na Terra. Passou a ter premonições sobre essa missão, acreditando que um dia, depois de constituir família, filhos e bens, deixaria tudo em prol de sua missão. Este comportamento causou preocupação em seus pais, que chegaram a suspeitar que o filho sofresse de algum tipo de loucura, chegando a buscar ajuda em curandeiros espirituais.

A missão de Gentileza

Profeta Gentileza
Contudo, o apelido de Profeta Gentileza veio apenas alguns anos depois. Uma grande tragédia aconteceu em 17 de dezembro de 1961, quando o Gran Circus Norte-Americano de Niterói pegou fogo. No incêndio morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças. No Natal daquele ano, Datrino que morava no Rio, disse ter ouvido “vozes astrais” e dirigiu-se ao terreno do circo para plantar um jardim sobre as cinzas.
Ali, onde tinha acontecido a tragédia, morou por quatro anos e trabalhou como “consolador voluntário”, confortando com palavras de bondade às famílias das vítimas da tragédia. Nessa época ele recebeu dois apelidos: “José Agradecido” e “Profeta Gentileza”. O último veio a ser sua marca registrada.
Antes de tornar-se “Profeta Gentileza”, Datrino possuía uma empresa de transporte de cargas e residia, com sua família, no bairro de Guadalupe.
Nos anos 70, Gentileza passou a percorrer as ruas da Cidade do Rio de Janeiro levando palavras de amor, bondade e respeito ao próximo. Fazia isso em ônibus, praças, pontes, praias, calçadões e nas lotadas barcas da travessia Rio-Niterói.
Muitos não entendiam a mensagem do Profeta, chegando até a chama-lo de “maluco”. Mas, sua resposta era sempre a mesma: “Sou maluco para te amar e louco para te salvar”.
Gentileza ficou um curto período de tempo em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, onde fazia pregações de frente ao prédio onde está instalado o INSS, isso ocorreu por volta dos anos de 1977 e 1978.
Voltou ao Rio nos anos 80, para começar sua peregrinação. Deixou um legado de escritas em 56 pilastras do viaduto da Av. Brasil, entre o Cemitério do Caju e o Terminal Rodoviário do Rio de Janeiro, em uma extensão de aproximadamente 1,5 km. Muitos acham que são profecias, outros, poesia, o certo é que suas mensagens escritas em azul, verde e amarelo nunca passaram despercebidas. Ele escrevia numa altura em que suas palavras pudessem ser apreciadas pelas pessoas que passassem de ônibus pela região. Talvez sem premeditar, ao numerar as pilastras, Gentileza acabou formando uma espécie de livro urbano.
Obra do Profeta Gentileza

Nos anos de 1990, um crime quase acaba com o legado do Profeta. Os murais foram sendo danificados por pichadores, sofreram vandalismo, e mais tarde cobertos com tinta de cor cinza pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
A ação da Prefeitura foi duramente criticada. Reconhecendo o erro, a Prefeitura pediu desculpas. Em 1999, foi criado o projeto “Rio com Gentileza”, com ajuda da própria Prefeitura do Rio, com o objetivo restaurar os murais das pilastras. A recuperação começou em janeiro de 1999, terminando em maio de 2000. O patrimônio carioca com os dizeres do Profeta estava preservado.
Atualmente as obras do Profeta estão ameaçadas de destruição pelo projeto "Porto Maravilha" da Prefeitura do Rio, que pretende demolir o viaduto, onde os murais estão.  Contudo, os murais são tombados pela Prefeitura, não se tendo uma solução sobre o que acontecerá com eles.
Em 2000, o professor do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Movimento Rio com Gentileza, Leonardo Guelman, lançou o livro Brasil: Tempo de Gentileza (Editora da Universidade Federal Fluminense). Em 2009, publicou Univvverrsso Gentileza (Ed. Mundo das Ideias). Assim mesmo, “Univverrsso”, o Profeta escrevia dobrando as consoantes.
No ano de 2000, na cidade de Mirandópolis, interior de São Paulo, onde o profeta está enterrado, foi criada a primeira ONG da cidade: Gentileza Gera Gentileza, fundada por parentes e amigos que admiravam a filosofia de vida do Profeta. Além de lembrar a pessoa de José Datrino, tem a missão de difundir educação e cultura em toda a região. Saraus mensais itinerantes, encontros de corais, tardes culturais para crianças no bosque da cidade, participações em eventos escolares e um evento anual denominado "Gentileza Gera Gentileza", com música, teatro, poesia e dança, entre outros, fazem parte da agenda da ONG.
Em Conselheiro Lafaiete, cidade do interior de Minas Gerais, há um amplo trabalho feito pela ONG AMAR que dá continuidade ao trabalho do Profeta Gentileza. Foram desenvolvidas oficinas com jovens da cidade, onde foi possível repassar as técnicas de mosaico. Além disso, um grande muro no bairro São João recebeu uma linda aplicação de mosaico. E a Praça São Pedro, no bairro Albinópolis, foi toda decorada seguindo o exemplo do Profeta Gentileza.
   Suas profecias foram cantadas por músicos como Gonzaguinha nos anos 80 e Marisa Monte nos anos 90, foram citadas em filmes, novelas e trabalhos acadêmicos. Em 2001, o Profeta foi homenageado na Sapucaí pela Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio, com enredo assinado por Joaozinho Trinta, e considerado um dos melhores desfiles da Escola. O enredo era: “Gentileza gera gentileza, amor”.
A canção de Gonzaguinha mostrava uma homenagem ao profeta, como se vê no trecho: "Feito louco / Pelas ruas / Com sua fé / Gentileza / O profeta / E as palavras / Calmamente / Semeando / O amor / À vida / Aos humanos".
A canção de Marisa Monte, por sua vez, além de incentivar os valores pregados pelo profeta (no trecho "Nós que passamos apressados / Pelas ruas da cidade / Merecemos ler as letras / E as palavras de Gentileza"), retrata os danos ocorridos contra os murais, como diz o trecho: "Apagaram tudo / Pintaram tudo de cinza / Só ficou no muro / Tristeza e tinta fresca.".
Em 2009, o Profeta foi interpretado em participação especial pelo ator Paulo José, na novela Caminho das Índias, exibida pela Rede Globo de Janeiro a Setembro de 2009.
O Profeta Gentileza denunciava o mundo, regido "pelo capeta capital que vende tudo e destrói tudo". Via no circo destruído uma metáfora do circo-mundo que também será destruído. Mas anunciava a "gentileza que é o remédio para todos os males". Deus é "Gentileza porque é Beleza, Perfeição, Bondade, Riqueza, a Natureza, nosso Pai Criador". Um refrão sempre voltava especialmente nas 56 pilastras com inscrições na entrada da rodoviária Novo Rio no Caju: "Gentileza gera gentileza, amor". Convidava a todos a serem gentis e agradecidos. Anunciava um antídoto à brutalidade de nosso sistema de relações e, sob a linguagem popular e religiosa, um novo paradigma civilizatório urgente em toda a humanidade.

"Gentileza gera gentileza, amor".

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